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Febre tifóide

o mesmo período das disputas sobre o cólera, Adolpho Lutz esteve envolvido com outra questão polêmica, a febre tifóide, enfermidade com manifestações intestinais que ele próprio contraíra nas férias de 1878, quando fazia cursos em Leipzig. Pois ela foi um dos principais desafios que enfrentou como diretor do Bacteriológico.

No Brasil, um dos raros diagnósticos de febre tifóide havia sido feito em 1851 pelo médico dinamarquês Teodoro Joannis Henrique Langgaard (1813-1883). Mais tarde, os médicos paulistas começaram a identificar as manifestações da doença como um tipo de malária, passando, então, a chamá-las de febres tifo-maláricas, febres remitentes etc. Numerosos casos eram qualificados como “febre paulista”, expressão criada para designar uma doença cujos estragos na capital de São Paulo, na última década do século XIX, rivalizavam com os da febre amarela no Rio de Janeiro e em Santos.

Já no primeiro relatório como diretor interino do Bacteriológico, Lutz contestava a natureza palustre das febres da cidade de São Paulo, alegando que, nesse caso, o Plasmodium malarie descoberto por Charles Louis Alphonse Laveran, em 1880, devia ser encontrado no sangue de suas vítimas. O que eram essas febres ainda não estava claro para Lutz. Os sintomas pareciam-se com os da “febre ondulante” (brucelose), doença causada pelo Micrococcus melitensis, descoberto por David Bruce em 1887. Lutz tentou, sem êxito, encontrar esse microrganismo no sangue dos doentes de São Paulo. A hipótese de que se tratava do tifo abdominal – denominação dada pelos alemães à febre tifóide – foi robustecida pela autópsia feita, em 1894, num caso fatal comunicado como de febre amarela.

Tal como fizera no caso do cólera, Lutz enviou amostras de suas culturas para análise por autoridades estrangeiras. Em 1o de maio de 1895, remeteu-as ao próprio descobridor do bacilo da febre tifóide, Carl Joseph Eberth, então diretor do Instituto Anatômico da Universidade de Halle, que confirmou os laudos do bacteriologista brasileiro.

Em 1896, a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo foi sacudida por intensos debates a respeito das febres que castigavam São Paulo. Alguns médicos defendiam a endemicidade da febre tifóide na capital, apesar de chegarem a essa conclusão por caminhos diferentes daquele adotado por Lutz; um grupo defendia o diagnóstico palustre para a maior parte dos casos febris; e havia os partidários da idéia de que se estava diante de uma nova doença, diferente daquelas identificadas pelos grupos rivais.

A comissão nomeada pelo presidente da Sociedade, Miranda de Azevedo, em 3 de novembro de 1897, elaborou parecer favorável a Adolpho Lutz e seus aliados. O parecer foi criticado por muitos membros da Sociedade e, em 15 de novembro, cada item do documento foi votado separadamente, o que redundou em completa modificação de suas conclusões originais. A maioria optou por deixar em aberto a natureza da doença que grassava em São Paulo. Foi nomeada, então, outra comissão para redigir um relatório condizente com o que fora votado. Adolpho Lutz externou seu desagrado com a decisão no relatório do Instituto Bacteriológico de 1897. E, mais de uma vez, condenou a discussão de questões médico-científicas na imprensa leiga como prática contrária à ética profissional. Aquelas polêmicas expressavam as reservas ou mesmo a hostilidade dos clínicos em relação à “jovem ciência dos micróbios”, vista como ameaça a seu prestígio social e profissional, pois os bacteriologistas liderados por Adolpho Lutz manejavam técnicas que lhes eram ainda inacessíveis. A emergência dos bacteriologistas não significava apenas uma ameaça aos rendimentos que os clínicos auferiam com consultas e medicamentos. A relação com seus pacientes era subvertida pela demonstração de que a experiência e as ferramentas sensoriais que utilizavam não bastavam para decifrar a natureza dos males e decidir a melhor forma de preveni-los ou curá-los.