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surtos de cólera de 1893-1895
puseram em contato os poucos bacteriologistas do Rio de Janeiro
e de São Paulo e revelaram aspectos surpreendentes da saúde
pública no período. Primeiro, a superioridade de
São Paulo em relação ao governo federal;
depois, no âmbito deste, a desproporção entre
o peso que as elites dirigentes deram aos diagnósticos
firmados pelos bacteriologistas e as condições em
que foram realizados. De pequenos laboratórios mantidos
em residências particulares de um punhado de médicos
versados na ciência de ver, descrever e diferenciar microrganismos,
saíram pareceres que repercutiram dentro e fora do país,
fundamentaram ações onerosíssimas, atropelaram
interesses poderosos e estilhaçaram o cotidiano de multidões.
O cólera
irrompeu em 1893 na Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo
e em algumas localidades da capital e do interior, e ressurgiu
em todo o vale do Paraíba, a coluna vertebral da economia
brasileira, em 1894-1895. Adolpho Lutz retomou, então,
o estudo da disenteria amebiana e de outras doenças intestinais
(inclusive o cólera), cujos diagnósticos se confundiam.
Os resultados dessas investigações interdependentes
foram apresentados em seus relatórios como diretor do Instituto
Bacteriológico, parte dos quais saiu em versões
condensadas em periódicos nacionais, especialmente a Revista
Médica de São Paulo.
Os adversários de Lutz contestaram ferozmente seus laudos
sobre o cólera, afirmando que grassavam apenas diarréias
causadas por fatores telúricos e alimentares locais. As
pesquisas realizadas no Instituto Bacteriológico de São
Paulo foram verificadas, no Rio de Janeiro, por Francisco Fajardo,
Eduardo Chapot Prévost, Oswaldo Cruz e Benedito Ottoni.
As experiências produzidas nos laboratórios particulares
desses médicos, confirmando a presença do bacilo
colérico nos doentes do vale do Paraíba, municiaram
o rigoroso programa de desinfecções, isolamento
e quarentenas implementado em cidades, portos e estações
ferroviárias do Rio de Janeiro, de Paulo e Minas Gerais.
Na Europa,
o principal adversário de Robert Koch – o descobridor
do bacilo colérico, também chamado de bacilo vírgula
ou Vibrio comma –, e a mais influente autoridade
invocada pelos médicos brasileiros que contestavam o ponto
de vista de Adolpho Lutz era Max von Pettenkofer (1818-1901),
um dos mais respeitados nomes da saúde pública alemã,
cuja teoria sobre o cólera e a febre tifóide servia
a nossos higienistas para explicar, por analogia, a transmissão
da febre amarela. Lutz também recorreu a autoridades estrangeiras
para robustecer sua posição. Em 1893, enviou vibriões
a Unna, mas as culturas chegaram lá mortas. Em fevereiro
de 1895, fez nova remessa a William Phillip Dunbar, diretor do
Instituto de Higiene de Hamburgo, que confirmou seus laudos.
A epidemia do vale do Paraíba permaneceu controvertida
mesmo depois de exaurir-se. Em 1898, Alfredo Nascimento, presidente
da Academia Nacional de Medicina, ainda se esforçava por
provar, em O mimetismo do cólera, que a doença
não grassara no Brasil. Como iriam demonstrar as controvérsias
subseqüentes a propósito da febre tifóide,
os diagnósticos dos bacteriologistas enfrentavam forte
resistência no seio da classe médica.
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