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verão de 1891-1892, meses antes da criação
do Instituto Bacteriológico de São Paulo, os governos
fluminense e paulista requisitaram os serviços de Domingos
José Freire, catedrático de química orgânica
da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, para vacinar contra
a febre amarela os habitantes de várias cidades interioranas
e para esclarecer a natureza de febres cujo diagnóstico
era polêmico. Encerrada a campanha, Freire publicou Sur
l'origine bactérienne de la fièvre bilieuse des
pays chauds, pivô de mais uma controvérsia de
grande repercussão na imprensa. Segundo o médico
carioca, a febre biliosa dos países quentes, que se parecia
com a febre amarela, era, na verdade, “uma das manifestações
da malária”, causada por um bacilo que nada
teria a ver com o protozoário descrito na Argélia,
em 1880, por Charles
Louis Alphonse Laveran, o Oscillaria malariae,
depois chamado Plasmodium. Para Freire, a descoberta do médico
militar francês aplicar-se-ia apenas às “formas
clássicas” que havia estudado, não podendo
ser estendida a regiões com outras condições
climáticas. Freire levantou a possibilidade de que seu
bacilo fosse aquele descrito pelos principais adversários
de Laveran, Theodor Albrecht Edwin Klebs (1834-1913) e Corrado
Tomassi Crudeli.
Estes haviam encontrado na campanha romana o Bacillus malariae,
vegetal microscópico que teria afinidades com o bacilo
do antraz, cujos esporos Koch acabara de localizar na terra onde
os animais eram sepultados; os da malária residiriam, também,
no solo e flutuariam no ar.
Essa teoria prevaleceu na década de 1880 mas seria desacreditada
posteriormente. Para isso foram fundamentais os trabalhos de Richard,
Camilo
Golgi e Ettore
Marchiafava, vinculando o ciclo de vida do hematozoário
de Laveran à síndrome clínica. Richard encontrou
esse protozoário em 90% dos casos diagnosticados clinicamente,
e demonstrou que a quinina o destruía. Comprovou, também,
que a principal alteração produzida pelo parasito
residia nos corpúsculos vermelhos do sangue, o que explicava
a anemia característica dos doentes. Marchiafava e Golgi
esclareceram parte do ciclo de vida do parasito, e o relacionaram
à periodicidade das febres. Golgi levantou a hipótese
de que diferentes espécies do parasito poderiam ser responsáveis
por formas clínicas distintas da malária –
as febres intermitentes, terçã e quartã.
Ao defender o Bacillus malariae, Domingos Freire chocou-se
com os jovens bacteriologistas do Rio de Janeiro que compartilhavam
com Adolpho Lutz a convicção de que o hematozoário
de Laveran era o verdadeiro agente da malária.
Dos bacteriologistas atuantes na capital da República,
Francisco Fajardo foi o que manteve a mais estreita colaboração
com Lutz. Além da cumplicidade nas lutas motivadas pelo
cólera, febre tifóide e febre amarela, aproximou-os
o interesse pela malária e, logo, pelos insetos hematófagos
como hospedeiros de microrganismos e transmissores de doenças.
O debate entre Domingos Freire, porta-voz no Brasil do bacilo
de Klebs e Crudelli, e as equipes de Francisco Fajardo e Adolpho
Lutz, comprometidos com o hematozoário de Laveran, situava-se
a meio caminho entre a formulação, por Patrick Manson,
da hipótese de que um mosquito hospedava o microrganismo
da malária antes de ele infectar o homem, como na filariose,
e a confirmação dessa hipótese por Ronald
Ross. Em 1898, este desvendou o ciclo do parasita da malária
das aves no mosquito Culex. Giovanni Grassi, Bignami
e Bastinelli revelaram, no ano seguinte, o ciclo do parasita da
malária humana em mosquitos do gênero Anopheles.
Essas descobertas teriam repercussão imediata sobre a febre
amarela: dois anos depois, comprovar-se-ia que seu modo de transmissão
era muito semelhante ao da malária. Essas e outras doenças
traziam a primeiro plano um novo tipo de medicina, então
denominada “medicina tropical”, e uma nova problemática
científica: as complexas interações entre
artrópodes, como transmissores de doenças bacterianas
e parasitárias, e os demais hospedeiros desses microrganismos,
sobretudo o homem.
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