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Rio de Janeiro nas últimas décadas do século
XIX era uma cidade com condições sanitárias
cada vez mais precárias. As epidemias – sobretudo
de febre amarela – e enfermidades como tuberculose e doenças
intestinais vitimavam número crescente de habitantes daquele
movimentado centro portuário. Representavam, a um só
tempo, uma ameaça e um subproduto da modernização
em curso (crescimento urbano, expansão do comércio
e da navegação a vapor, implantação
de ferrovias, bondes e fábricas, entre outros fatores).
As campanhas abolicionista e republicana ganhavam fôlego
e logo desaguariam na abolição da escravidão
(1888) e na proclamação da República (1889).
O saneamento urbano era tido como crucial para o progresso do
país, mas somente nos primeiros anos do século XX
se concretizaria a reforma da cidade. Nesse ambiente disseminaram-se
as idéias de Louis Pasteur, Robert Koch e outros fundadores
da microbiologia, ciência que propunha novas maneiras de
se conceber as doenças e lutar contra elas. A Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro passava por uma renovação:
incorporava o ensino prático e a pesquisa em laboratório,
visando à obtenção de novos conhecimentos
sobre as doenças e a saúde dos indivíduos
e coletividades.
Foi esse o cenário
que Adolpho Lutz encontrou ao desembarcar no Rio de Janeiro no
segundo semestre de 1881. Recém-formado, instalou-se no
Catete, no prédio que servia ao mesmo tempo à escola
suíço-brasileira e à residência dos
pais. Uma das primeiras providências de Lutz consistiu em
validar o seu diploma, apresentando à Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro a tese de doutoramento que acabara de defender
em Berna. Lutz descreveu esse trâmite e retratou o ensino
da medicina no império brasileiro em artigo publicado em
abril de 1882 em Correspondenz-Blatt für Scheweiz Aerzte,
periódico bernense no qual já veiculara, em novembro
do ano anterior, o resumo de sua tese e, em 1880, o trabalho escrito
no hospital de Sankt-Gallen.
No novo artigo, Lutz reconhecia o ‘‘gigantesco progresso”
trazido pela reforma do ensino em curso no Rio de Janeiro e em
Salvador, mas considerava as deficiências da instrução
básica e, principalmente, o “caráter”
do brasileiro como os principais entraves ao desenvolvimento de
uma genuína cultura científica entre nós.
Repugnava-lhe a prevalência do apadrinhamento e do protecionismo
sobre o direito e a competência pelo saber. Outro problema
era a conexão unilateral com a França e a recusa
a influências vindas de outros países, em particular
os germânicos. Na opinião de Lutz, as dissertações
dos doutorandos brasileiros continham poucas idéias originais,
consistindo, em sua maior parte, em compilações
de autores franceses.
Depois de uma tentativa frustrada de se estabelecer em Petrópolis,
no primeiro semestre de 1882, Adolpho Lutz transferiu-se para
Limeira, interior do estado de São Paulo, para onde acabara
de se mudar a irmã, Helena Lutz Luce. Nesse município
realizaria importantes pesquisas e escreveria trabalhos pioneiros
em medicina e veterinária.
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