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trabalho
de Adolpho Lutz, “Contribuições à história
da medicina no Brasil. Reminiscências dermatológicas”,
de 1921, é um conjunto de notas referentes a doenças
de pele que observou durante os quarenta anos de atividades como
clínico, sanitarista e cientista, na zona de café,
nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e em outras regiões
do país.
Lutz valorizou, aí, não apenas a freqüência,
mas também a raridade ou ausência de certas moléstias.
Ao longo de todos aqueles anos só se deparou com dois doentes
com psoríase no Brasil; não viu nenhum caso de micose
fúngica e só encontrou dois casos de lúpus
vulgar. Tanto nas capitais do litoral como no interior do país,
Lutz raramente encontrou outras enfermidades que eram freqüentes
nas clínicas dermatológicas da Europa, como líquen
rubro, lúpus eritematoso, epiteliomas e rinoscleroma –
observações estas que não coincidem com os
mapeamentos epidemiológicos atuais. Nem freqüentes
nem raras eram as doenças como a ictiose, o angioma simples,
nevos de toda espécie, quistos dermóides e a moléstia
de Recklinghausen. Lutz considerava normal a presença de
lipomas e fibromas, bem como a maior freqüência de
quistos sebáceos.
Ao analisar as moléstias predominantes, atribuiu grande
importância ao clima, à fauna e aos hábitos
locais. O calor produzia abundante sudação e esta
favorecia erupções e outros sinais característicos
de doenças que julgava específicas dos países
quentes. Tanto a sudação como as picadas de insetos
e aracnídeos, ao produzir coceiras, conduziam a processos
impetiginosos, ectimatosos e furunculosos. O hábito de
andar descalço e de expor as pernas favorecia infecções
e a entrada de parasitos externos; pelos pés penetravam
o Necator americanus, a Larva migrans e o Dermatophilus
(Pullex) penetrans, além dos agentes do micetoma e
de muitas úlceras fagedênicas. Sífilis, lepra,
ancilostomíase e variz podiam desempenhar um papel na etiologia
das úlceras.
Lutz afirma que, ao longo de sua trajetória profissional,
observou casos esporádicos de leishmaniose cutânea,
de blastomicoses por Coccidioides immitis, de esporotricoses,
granulomas venéreos e cancros fagedênicos. Tratou
de um único caso de linfomas múltiplos. No trabalho
de 1921, o cientista referiu-se a moléstias consideradas
“exóticas”, introduzidas com os escravos no
Brasil, como a framboésia trópica, já rara
em sua época, que supunha ser transmitida por insetos.
Teve apenas um caso de ainhum, também já quase extinto,
e um caso de filaríase de Medina. Entre as infecções
transmitidas por insetos, várias afetavam a pele, como
o tifo exantemático, a miliar epidêmica e a dengue
(hoje importante problema de saúde pública).
Lutz percebeu que, não raro, indivíduos sensíveis
a medicamentos como os mercuriais, o sublimado e o iodofórmio
ou pedra de mentol padeciam de erupções generalizadas.
Lutz não detectou a pelagra no Brasil, mas observou cinqüenta
casos de doença muito semelhante que descreveu sob o nome
de “pelagróide”. Acompanhou, também,
um caso semelhante a esgotismo gangrenoso, com mumificação
das mãos e dos pés. Em suas reminiscências,
mencionou por fim uma doença de pele não muito rara
no noroeste de São Paulo e em zonas vizinhas: o caraté,
ou mal de los pintos, dermatite que, no início,
tinha os caracteres de pitiríase rubra e, mais tarde, os
de dermatite exfoliativa ou de pênfigo foliáceo.
Lutz admitia a possibilidade da inoculação de tuberculose
bovina por picada de insetos, o que, hoje, sabemos ser impossível.
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