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expedição
de Adolpho Lutz e Astrogildo
Machado ao vale
do São Francisco, entre 17 de abril e 17 de
julho de 1912, foi realizada a serviço de um órgão
do Ministério da Viação e Obras Públicas,
a Inspetoria de Obras contra as Secas. Criada em 1909 mas estruturada
somente em 1911, essa Inspetoria tinha em mira o combate aos efeitos
desastrosos das secas através de ambicioso programa de
estudos sanitários, meteorológicos, geológicos,
topográficos e hidrológicos, da reconstituição
de florestas, abertura de estradas de rodagem e ferrovias, perfuração
de poços e construção de açudes particulares
e públicos.
Diferentemente de missões anteriores executadas por cientistas
de Manguinhos para obter resultados profiláticos imediatos
em áreas delimitadas (canteiros de obras de hidrelétrica
e ferrovias, por exemplo), a expedição ao vale do
São Francisco, assim como outras realizadas entre 1911
e 1913, percorreram demoradamente áreas extensas para efetuar
investigações científicas que iam além
das questões médico-sanitárias emergenciais.
Além de identificar doenças até então
desconhecidas pelos médicos do litoral, os expedicionários
preocuparam-se em coletar espécimes de animais que pudessem
hospedar parasitos e microrganismos, bem como plantas utilizadas
como medicamentos pelos nativos. Através de relatórios
de viagem e intenso uso da fotografia, produziram registro detalhado
das condições de vida das populações
do interior, mentalidades, hábitos, técnicas, relacionando
os problemas sanitários detectados aos aspectos sociais,
econômicos, culturais e ambientais das regiões visitadas.
Ampliaram, assim, o campo de estudo das chamadas “doenças
tropicais” no Brasil, e repercutiram amplamente na opinião
pública da época as revelações que
produziram sobre o interior do Brasil.
A expedição de Lutz e Machado foi realizada no período
da seca, pois a Inspetoria que os contratou necessitava estudos
relacionados a esse fenômeno climático. Isso dificultou
a coleta de espécimes animais e vegetais e o estudo mais
amplo do ecossistema da região. No tocante às patologias
humanas, Lutz e Machado interessaram-se principalmente pela Doença
de Chagas, recém-descoberta, verificando a diminuição
dos casos à medida que se dirigiam de Minas Gerais rumo
à fronteira da Bahia. Em seu diário, Lutz registrou
a insignificância de casos de ancilostomíase e elefantíase.
Não detectou casos de leishmaniose, cólera-morbo
e febre tifóide, mas alertou para o perigo latente destas
duas últimas doenças em virtude do hábito
que tinha a população de beber a água do
rio (fonte, também, de peixes, indispensáveis à
alimentação dos habitantes da região). Lutz
percebeu, ainda, que era insignificante a ocorrência de
febre amarela, ainda que tenha observado a grande incidência
do Stegomyia, o mosquito transmissor da doença.
A expedição registrou diversos casos de sífilis
e sobretudo de impaludismo, a doença predominante, fato
que atribuíram às muitas lagoas formadas pelas enchentes
do rio.
Buscando explicar com argumentos raciais e socioeconômicos
o atraso da região, os cientistas atribuíram as
enfermidades encontradas não apenas à hostilidade
do meio ambiente, mas principalmente à ignorância
e incapacidade de seus habitantes em promover mudanças,
mesmo que em benefício próprio. No relatório
da viagem, sugeriram a implantação de alguns projetos
para dinamizar o potencial econômico da região, como
a criação de tartarugas e do peixe-boi, que poderiam
ser transferidos da Amazônia. O subaproveitamento econômico
do vale do São Francisco, segundo eles, decorria do caráter
rudimentar das técnicas utilizadas por seus habitantes.
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