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características distintivas da lepra foram estabelecidas,
em bases científicas, por Daniel
Cornelius Danielssen e Carl Wilhelm Boeck. Esses médicos
noruegueses procuraram demonstrar que se tratava de uma doença
hereditária, sem descartar, contudo, as relações
com condições anti-higiênicas de vida e com
o meio ambiente insalubre propostas para muitas outras doenças
pelo paradigma neo-hipocrático então soberano. A
crença da hereditariedade acarretou a desativação,
ao menos entre os médicos, do antigo pavor por ela inspirado.
Supondo-se que não fosse contagiosa, arrefeceu a preocupação
com a segregação dos doentes. Mas já no final
da década de 1870 começou a refluir essa voga anticontagionista.
Também chamada de elefantíase-dos-gregos ou morféia,
a lepra foi uma das primeiras doenças infecciosas a ser
reestruturada à luz da microbiologia: nas células
de tubérculos cutâneos, Gerhard Armauer Hansen, médico
do hospital dos lázaros em Bergen, observou pequenos corpúsculos
em forma de bastonete que denominou Bacillus leprae,
suspeitando que fossem a causa da doença em razão
de sua presença constante nas lesões examinadas.
Em 1874 relatou à Sociedade Médica de Cristiânia
(atual Oslo) sua descoberta que logo foi confirmada por Edwin
Klebs. Albert
Neisser produziu descrição mais consistente
do bacilo em 1879, graças ao emprego de processos de coloração
que se tornaram de importância capital para a observação
desse e de outros microrganismos. Preocupado em assegurar sua
prioridade, Hansen publicou então sua teoria em alemão,
inglês e norueguês. Conquistou, assim, a eponímia
– a lepra passou ser chamada também de “doença
de Hansen” e atualmente, no Brasil, é conhecida por
“hanseníase”.
À época em que Adolpho Lutz começou a investigá-la,
havia grandes divergências entre os bacteriologistas quanto
à localização do micróbio nos tecidos
e líquidos humanos. A interpretação do que
enxergavam dependia, em larga medida, do que davam a ver as técnicas
de corar e fixar usadas na preparação das amostras
de tecido postas sob a lente dos microscópios, técnicas
que experimentavam então contínuas inovações.
À mesma época, começaram a se contrapor duas
concepções antagônicas sobre o modo de transmissão
da lepra que fundamentavam estratégias divergentes para
lidar com ela. Os médicos e leigos envolvidos nessa controvérsia
tomariam como “tipos ideais” os modelos profiláticos
adotados em duas regiões do globo: o “democrático”,
instituído na Noruega, num período de ascensão
do nacionalismo e de grande interesse dos médicos pelo
estudo do território, da população e de seu
perfil epidemiológico; e o modelo segregacionista e colonialista
implementado no Havaí por administradores metropolitanos
que nutriam repugnância pela lepra e forte preconceito contra
os doentes nativos ou de origem asiática.
O primeiro Congresso Internacional da Lepra, realizado em Berlim,
em 1897, consagrou as pesquisas de Hansen e a tese de que o único
modo de se evitar a propagação da doença
era através da notificação obrigatória,
vigilância e isolamento compulsório dos leprosos.
Com base, principalmente, em observações epidemiológicas
apresentadas por médicos atuantes na Índia, nas
Guianas e em outras possessões coloniais, o Congresso aprovou
resoluções que afirmavam a soberania do contágio
em detrimento da hereditariedade da lepra, não obstante
esta teoria ainda contasse com numerosos adeptos. Lutz lamentou
que o governo de São Paulo não o tivesse enviado,
nem a outro delegado, a esse Congresso.
O segundo Congresso Internacional, celebrado em Bergen, Noruega,
em 1909, sob a presidência de Hansen ratificou as decisões
de Berlim.
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