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Combate ao cólera

Max von Pettenkofer

O higienista bávaro Max von Pettenkofer desenvolveu teoria sobre o papel crucial das condições climáticas e, sobretudo, telúricas na ativação ou inatividade dos germes do cólera. Segundo a Boden Theorie, teoria do solo, para que ocorresse uma epidemia eram necessários quatro fatores: além do germe específico, determinadas condições relativas ao lugar, ao tempo e aos indivíduos. Por si só, o germe não causava a doença, o que excluía o contágio direto, de pessoa a pessoa. A suscetibilidade individual era importante, mas ela e o germe, sozinhos, tampouco engendravam a doença. As condições de tempo e lugar eram indispensáveis para explicar tanto os acometimentos como as imunidades, isto é, o fato de certos períodos e, ainda, certos lugares permanecerem refratários. As variáveis sazonais e locais agiam sobre o germe, que amadurecia e se transformava em matéria infectante por seu efeito. O cadinho da transformação era o solo. Depositado aí com as dejeções dos doentes, o germe sofria uma maturação e adquiria a capacidade de provocar a doença ao reingressar no corpo humano.

Pettenkofer começara a estudar o cólera durante a epidemia de 1854, quando recrudescia – na Alemanha e em outros países – a controvérsia entre contagionistas e anticontagionistas. Para os primeiros, o agente da doença, o contagium, multiplicava-se no organismo e passava ao indivíduo saudável, às vezes por um simples toque. Para os anticontagionistas, o miasma existia fora do corpo, era produto de certas condições climáticas e telúricas ou, ainda, de certas condições sociais e urbanas que caracterizavam lugares bem definidos. Para os contagionistas, os deslocamentos de pessoas e objetos pelo comércio e as migrações constituíam os veículos da doença. Redargüiam os miasmáticos que, por mais ativo que fosse o tráfico, mesmo com casos indiscutíveis de importação da doença, certos lugares eram sempre poupados ou atacados somente em certas épocas.

Em lugar de contagium e miasma, o higienista bávaro propôs a distinção entre material infeccioso “entogênico”, capaz de passar diretamente do doente à pessoa sã, e “ectogênico”, em que o germe ou seus produtos tinham de se desenvolver no meio circundante antes de penetrarem na “economia”. Em 1869, defendeu a tese de que tanto o cólera como a febre tifóide eram causados por um ser vivo ainda desconhecido, que chamou de “germe x”, elaborado no corpo do doente e descarregado no meio externo pelas evacuações. Para marcar suas diferenças em relação aos contagionistas, definiu sua posição como “localista”: só as condições locais, num dado momento, eram capazes de gerar uma epidemia ao favorecer a maturação do germe importado.

George Rosen (1976) qualifica Pettenkofer como um dos mais destacados representantes da corrente que denomina contagionismo contingente, fruto de um “compromisso” entre as duas teorias rivais. Essa seria a posição mais difundida entre médicos e leigos na segunda metade do século XIX, em virtude, justamente, da possibilidade de acomodar as certezas de um novo paradigma com a bagagem milenar da medicina hipocrática, que constituía o lastro cognitivo dos miasmas e das constituições epidêmicas. Em geral, os contagionistas contingentes se opunham às práticas recomendadas pelos ortodoxos, sobretudo o isolamento e a quarentena.

Quando Koch demonstrou a existência do Komma bacillus (bacilo vírgula), em 1883, Pettenkofer endossou a descoberta, sustentando, porém, que não resolvia o problema da transmissão. O conflito foi explicitado na primeira conferência para o estudo do cólera, realizada em Berlim, em 1884.

Tão seguro estava Pettenkofer de seu ponto de vista que resolveu fazer a experiência crucial em si próprio, engolindo o bacilo do cólera. O experimento foi feito em outubro de 1892 e ele teve apenas leve diarréia. Em outras pessoas testadas, os resultados variaram de brandos a quase letais.