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As controvérsias sobre a malária

Medicina tropical e transmissão de doenças por artrópodes 

Na passagem da década de 1880 para a de 1890, crescia o interesse pela transmissão de doenças com etiologia microbiana demonstrada ou suspeita. A ênfase dada por Pasteur e Lister à ubiqüidade dos germes no ar retrocedeu por efeito de investigações sobre outros veículos de germes: água, esgotos, alimentos, dejeções do corpo, cães, gatos, pássaros e insetos. Cogitava-se na transmissão mecânica de microrganismos apanhados em águas estagnadas, matérias pútridas, como faziam as moscas com o bacilo de Eberth. Cogitava-se, em menor medida, na disseminação de doenças por animais sugadores de sangue, diretamente, ao picar os humanos, ou por intermédio da água contaminada pelos insetos infectados que morriam nela, como supunha Patrick Manson que ocorresse com o Culex, o transmissor da filariose.

Em 1877-1878, o médico inglês desvendara quase todo o ciclo do parasita que causava essa doença, concatenando as partes de um enigma que começara a ser decifrado no Brasil: em 1866, em Salvador, Bahia, Otto Wücherer encontrara um nematódeo microscópico na urina dos doentes; Timothy Richards Lewis (1873) demonstrara, em seguida, a presença da forma embrionária do nematódeo no sangue de doentes (Filaria sanguinis hominis); Joseph Bancroft (1876) revelara, depois, num abscesso linfático, a forma adulta do embrião, que o helmintologista T. S. Cobbold (1878) denominaria Filaria bancrofti. Sabia-se, então, que os nematódeos encontrados no sangue e na urina eram rebentos de um verme adulto. Manson verificou que os vasos de um cão podiam conter milhões de embriões. Se atingissem ali a forma adulta, alcançariam peso agregado superior ao do próprio hospedeiro. Morrendo este, morreriam os parasitos antes de dar à luz uma segunda geração, e a espécie se extinguiria. Aquela anomalia só podia ser evitada admitindo-se que os embriões abandonassem o hospedeiro e se desenvolvessem fora dele. Em 1879, Manson comprovou que as microfilárias eram adaptadas aos hábitos noturnos de um animal sugador de sangue, invadindo a circulação periférica ao cair da tarde. Dissecando o Culex, a espécie mais comum nas regiões onde reinava a filariose, o médico inglês reconstituiu a metamorfose do embrião em larva e, em seguida, na forma adulta da Filaria sanguinis hominis, já equipada para abandonar seu hospedeiro e levar vida independente.

O trabalho de Manson abriu as portas para outras descobertas: em 1893, Theobald Smith e F. L. Kilborne desvendaram a transmissão por carrapatos do protozoário que causava a doença do gado chamada “febre do Texas”. David Bruce demonstrou, em 1896, a transmissão de tripanossomas por moscas Glossina pallidipes.

A expressão “medicina tropical” foi empregada pela primeira vez por Patrick Manson em outubro de 1897, numa série de conferências no St. George’s Hospital que intitulou “A necessidade de uma educação especial em medicina tropical”. A descoberta de Ronald Ross, no ano seguinte, foi decisiva para a concretização desse projeto. Ao desvendar o ciclo do parasita da malária das aves no mosquito Culex, passou a ser aclamado, na Grã-Bretanha, como o valoroso sucessor do francês Pasteur e do alemão Koch. Em junho de 1899 começou a funcionar a Liverpool School of Tropical Medicine, e em outubro foi inaugurada a London School of Tropical Medicine, de maior porte.

A comprovação, em 1900, da teoria do médico cubano Juan Carlos Finlay sobre a transmissão da febre amarela por mosquitos ajudaria a fortalecer a nova especialidade. Tal comprovação só foi possível graças ao encontro, naquela ilha, da escola norte-americana, dominada por um programa de pesquisa na linha clássica da bacteriologia, com a escola inglesa, que explorava a fértil problemática dos vetores biológicos de doenças utilizando as ferramentas da parasitologia, da entomologia, da micro e macrobiologia. Dessa rede faziam parte Adolpho Lutz, Francisco Fajardo, Oswaldo Cruz e muitos outros médicos e cientistas da natureza que se engajaram no estudo de espécimes da fauna até então desconhecidos ou menosprezados por se ignorar o papel que desempenhavam na transmissão de doenças ao homem e a outros vertebrados.