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A febre amarela entra no debate

Apartir de 1898, o número de óbitos por febre tifóide na cidade de São Paulo declinou. As atenções de Adolpho Lutz e do Instituto Bacteriológico foram direcionadas para outros problemas candentes de saúde pública, tais como a peste, a malária e, cada vez mais, a febre amarela.

Na turbulenta década de 1890, as “febres paulistas” oscilaram entre a malária e a febre tifóide até pender de vez para este lado, por obra dos bacteriologistas chefiados por Lutz. Algo parecido acontecia com a febre amarela, também chamada tifo amarílico, icteróide ou americano, ou, ainda, vômito negro, em alusão a um sintoma característico da enfermidade. Alguns médicos reduziam-na a uma manifestação singular da malária, caracteristicamente americana. Concomitantemente, muitos bacteriologistas – Robert Koch e o próprio Lutz, num certo momento – estabeleceram analogias entre a febre amarela e o cólera baseadas nas manifestações intestinais das duas doenças.

As indefinições sobre a etiologia e transmissão da febre amarela dificultavam não só o diagnóstico clínico como o saneamento das regiões atingidas por aquele que era considerado o problema “número um” da saúde pública brasileira. As controvérsias sobre a doença mobilizavam, então, personagens e instituições médicas de vários países do Velho e do Novo Mundo. A opinião pública já assimilara a noção de que a febre amarela era causada por um dos micróbios recém-inscritos na agenda do debate científico ou, talvez, por um novo germe não descoberto ainda. Mas eram tantos os investigadores debruçados sobre o enigma, tão variadas suas configurações possíveis, que a opinião pública, os agentes econômicos e os políticos exigiram a intervenção do Estado no terreno minado da investigação científica para colocar alguma ordem naquela cacofonia de idéias.

No Brasil, Adolpho Lutz destacou-se como o principal “verificador” dos micróbios, soros e vacinas propugnados na década de 1890. Em agosto de 1897, num parecer arrasador assinado com Arthur Mendonça e Bonilha de Toledo, negou a eficácia do soro contra a febre amarela desenvolvido pelo médico gaúcho Felipe Caldas. Embora não aniquilasse a invenção gaúcha, que ocuparia intermitentemente as manchetes dos jornais até 1902, o parecer da equipe de Adolpho Lutz ajudou a desobstruir o caminho para a mais entusiástica aceitação da descoberta do bacilo icteróide anunciada por Giuseppe Sanarelli em Montevidéu, em 10 de junho de 1897. Contrastando com o entusiasmo de alguns de seus colegas, Adolpho Lutz foi mais sóbrio na avaliação do micróbio e do soro curativo propostos pelo bacteriologista italiano.

Pouco tempo depois, um acontecimento mudaria radicalmente o rumo das investigações sobre a febre amarela. Uma equipe de bacteriologistas do exército norte-americano conseguiu demonstrar, em Cuba, em 1900, a validade da teoria formulada duas décadas antes pelo médico cubano Carlos Juan Finlay, segundo a qual a doença era transmitida por um mosquito. Esse feito, reproduzido em São Paulo por Adolpho Lutz, diminuiu consideravelmente o interesse pelas pesquisas e controvérsias relacionadas ao micróbio da febre amarela. A partir de então, o foco dos investigadores foi direcionado para o estudo de seu transmissor, o mosquito Stegomyia fasciata, hoje conhecido por Aedes aegypti.

A etiologia da febre amarela seria estabelecida somente em 1927, na África Ocidental francesa, onde três investigadores da Fundação Rockefeller – Adrian Stockes, Johannes A. Bauer e N. Paul Hudson – conseguiram infectar macacos Rhesus com um arbovírus.